2 de maio de 2006

Mestre Calá


Diz um amigo que Calasans Neto era a última esperança da Bahia, sua última ligação com aquela Bahia romântica, exótica, diferente. Depois das perdas de Jorge Amado, Carybé e outros, Calasans era o último elo de ligação com aquele tempo, com aquela turma. Sem ele, dizia-me este amigo, seguiremos firmes rumo a nos tornarmos “uma cidade de gerentes evangélicos”, perspectiva das mais sombrias e que começa a se tornar realidade com o simpático João Pimpão como prefeito (se bem que há quem garanta que quem manda de fato é a primeira-dama, mas deixemos isso pra lá). E agora que Mestre Calá nos deixou, resta rezar para que meu amigo esteja errado. Ainda mais porque tudo parece indicar que ele estava certo...
Sobre Calá, não tenho muito mais a dizer do que tudo o que já foi dito. Calá era daquelas pessoas que iluminam um ambiente ao chegar. E foi em 1989 que eu tive a oportunidade de comprovar isso pessoalmente. O professor de história do colégio, petista de primeira hora, pedia-nos um trabalho sobre a americanização do Brasil. Em dupla com um colega, cuja família conhecia Calá há longo tempo, fomos munidos de filmadora para a casa/ateliê do mestre (destaque para a porta de um banheiro, onde se lia numa placa “Proibida a permanência simultânea de mais de seis pessoas neste banheiro”), a fim de gravar seu depoimento. Quase que a fita de 2 horas não deu. Calá falou, falou, falou e divertiu-nos a todos com seu bom humor, suas tiradas impagáveis e sua sagacidade. Falou, entre outras coisas, que apesar de termos medo de americano, deveríamos mesmo era ter medo de japonês! Que japonês, se fosse solto na Amazônia, transformaria tudo em um grande deserto em tempo recorde, com os mais modernos equipamentos. Contou-nos que Auta Rosa, sua esposa, nutria enorme vontade de comer em um McDonald’s, mas que sempre, por um motivo ou outro, ele conseguia ver o plano dela frustrado e que, diante da então recente abertura da primeira loja da rede em Salvador, via se aproximar o momento em que seria inevitável fazer a vontade de Auta Rosa e encarar um Big Mac (sempre tive vontade de saber como terminou a história). Se conheci em toda a minha vida um perfeito gentleman, este era Calá. Ao fim de quase duas horas de entrevista, despedimos-nos e fomos para casa, preparar o material a ser apresentado ao professor (nosso material, dirigido pelo pai de meu colega, notório comunista, utilizando a canção de protesto comunista “Subdesenvolvido” como trilha sonora e com a entrevista de Calasans Neto quase levou o professor de história petista ao choro, garantindo-nos uma nota dez).
Uns dois ou três meses após a entrevista, estou no shopping com uma turma de amigos do colégio quando avisto o Mestre Calá, quietinho, sentado em um banco. Uma das colegas cutuca. “Não é aquele artista que apareceu no trabalho de vocês”? Confirmei, mas nem pensei em ir cumprimentar, não imaginava que ele ainda lembrasse do estudante que foi à sua casa lhe fazer perguntas sobre os americanos. Pois lembrava. Chamou-me, cumprimentou-me, lembrava do meu nome. Providenciou longa mesa onde acomodou toda a turma e sentou-se à cabeceira, de onde presidia a mesa com toda a sua verve, um menino da mesma idade que nós. Quando Auta Rosa chegou, a procurá-lo, disse-lhe que fosse resolver suas coisas de velho com os outros velhos, que ele iria ficar entre os jovens, seus amigos. Nunca me esqueci daquelas duas tardes em que minha vida se cruzou com a do Calá.
Hoje, ele é uma saudade. E se para mim, que tive apenas uma centelha de convivência com ele, a saudade é grande, imagino como será para aqueles que desfrutavam do privilégio de poder chamá-lo de amigo. Deve fazer uma falta danada...
Vai em paz, Calá! E obrigado! Pelas tardes, pela conversa e pelas lições que você, mesmo durante um simples bate-papo, me deixou. Valeu mesmo!

Quem é doido de não estar triste com a passagem do Calá?

2 comentários:

Anônimo disse...

Lindo, fantástico. Deu muita vontade de ter conhecido "Seu Calá"...
Vick

Anônimo disse...

Ola, :)
Eu coloquei um link pra esse blog, mais especificamente pra esse post sobre o mestre Cala, la na comunidade do orkut "Calasans Neto". Se acaso você nao gostar da exposiçao, por favor, poderia me dizer que eu tiro de la. Um abraço,
Luciana (luah.brichet@gmail.com)