16 de maio de 2006

A mala


Ônibus lotado, a turma da faculdade saía para uma viagem. Na bagagem, além de muitas sacolas, uma mala-sem-alça: a colega que havia assumido a responsabilidade de ser líder do ônibus (sempre achei que líderes deviam ser eleitos, mas vamos em frente...). Empolgada com a colocação, que lhe permitia, enfim, ser notada pelas pessoas, coisa que era muito, mas muito rara de acontecer, ela se excedeu. Primeiro, ameaçou entregar os colegas que insistiam em fumar maconha para a polícia. Depois, começou a controlar o tempo que cada um passava no banheiro do ônibus. Finalmente, incorporou a “liderança” de tal forma que acabou confundindo-a com poder absoluto. Entende-se: quem nunca comeu melado, quando come se lambuza. Além de ser muito chata, era também muito metódica: sempre pedia comidas e bebidas com algo à parte, tipo “Me traga esta torta de chocolate, mas com a calda à parte”, ou “Arroz-de-carreteiro com as carnes à parte” e por aí vai. Uma simpatia! Após quase uma semana com a mala-sem-alça a nos encher a paciência, eis que chega a hora de voltar para casa. Todos sentados no ônibus, viagem agradável, tudo normal. Aliás, normal até demais. Já havíamos nos acostumado com a criatura dando ordens e enchendo o saco, mas notamos um silêncio prolongado. Logo veio a explicação, trazida por outra colega:
- Gente, dava pra vocês fazerem silêncio e não fumar? A Fulana tá passando muito mal, está enjoada...
“Enjoada”, no caso, era redundância. Prometemos silêncio. Deixamos a moça se afastar e, junto com um colega, muito cruel também, começamos a nossa vingança. Acendemos dois cigarros e fomos largando:
- Acarajé com calda de chocolate!
- Sardinha com Leite Moça!
- Bife de fígado com chantilly!
- Picanha com caramelo!
- Camarão com Nutella!
- Chokito com vatapá!
Em alguma dessas pérolas da gastronomia, a Fulana começou a se contorcer até ouvirmos aquele “uuuaaaaarrrggghhhhhh” típico de quem não achou nada muito apetitoso. De lá da frente, veio o aviso:
- Socorro que a Fulana está vomitando! Alguém tem um saco plástico?
Alguém entregou um saco para a menina e, ato contínuo, meu colega, com o cinismo, o sarcasmo e principalmente a presença de espírito que lhe são até hoje peculiares, fez o adendo, muito oportuno:
- Gente, por favor, outro saquinho plástico que ela vai vomitar a sobremesa à parte...

Quem é doido de azucrinar uns caras assim?

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