31 de agosto de 2006

O dia em que São Marcelo espetou o dragão


Quando São Jorge espetou o dragão na lua, mal sabia ele que, além de se tornar santo, também se tornaria inspiração para um tresloucado brasiliense que veio aportar por estas plagas baianas em pleno Carnaval. Não somente isso, mas também chegou extremamente bem recomendado e bem acompanhado pelo incansável Julim, mestre dos botecos e farras. E era meu xará, outro Marcelo (só para esclarecer que não sou eu o Marcelo do título, espetar dragões não é minha especialidade...). Como bom tresloucado, entornava uma cana capaz de fazer o velho Mussum entortar as pernas. De tempos em tempos, sumia do mapa e voltava minutos ou horas depois, com aquela cara de gato que tinha comido o peixe do aquário. Numa dessas sumidas ele demorou demais, começamos a nos preocupar e a procurar por ele. E coube a mim encontrá-lo, de conversa com uma figura que merece até um outro parágrafo só para ser descrita.
Eram arrobas e mais arrobas de pura sensualidade, emolduradas por um cabelo que parecia uma peruca lavada na máquina e secada na secadora, se é que dá pra ter uma idéia. Um justíssimo short tentava conter o excesso adiposo da criatura sem muito sucesso, pois as banhas caíam por cima do elástico do short, formando uma pochete de gordura à qual o meu xará se agarrava com a felicidade e a despreocupação que só o álcool em grande quantidade é capaz de trazer. E bailava, feliz da vida, ao lado daquele verdadeiro transatlântico. Na boca da moça, um batom em tom roxo completava aquela visão do inferno.
Chamei reforço. Se éramos mesmo amigos do cara, tínhamos que tirá-lo daquela roubada. No melhor estilo dos fuzileiros, “nenhum homem será deixado para trás”. Fomos ao resgate. Cercamos o cara e fomos tentando levar ele dali, mas ele se agarrou com mais força ainda à cintura (na falta de definição melhor...) de sua nova amiga e reclamava de nossa falta de educação:

- Como é que você querem que eu saia e deixe uma moça tão linda aqui sozinha? Aliás, mostre aquela parada que você faz!

Confesso que fiquei com medo “daquela parada” que ela fazia. Ato contínuo, a moça saca um cantil daqueles de couro, retira a tampa, ergue o tal cantil no ar e faz jorrar dele um negócio que, pelo cheiro, não deixava dúvidas: uísque! Tudo o que o Marcelão não precisava naquele momento... Marcelão, lépido, coloca-se com a boca aberta diante do jato de uísque e deixa a boca encher até transbordar pelos cantos. Então, de um trago só, engole aquele uísque todo. É, o caso era perdido, como lembrou bem o Zinho:

- Olha aí, moçada: não tô a fim de ajudar quem não quer ser ajudado...

Por insistência do próprio Marcelo, deixamos ele lá, entregue à própria sorte. Esquecemos dele. Coisa de uma hora depois, ele chega, trocando as pernas, todo manchado de batom roxo e a mesma cara de gato que comeu o peixe do aquário:

- Vocês precisam ver a gatinha que eu agarrei ali...

Até hoje a gente ri do cara. No dia seguinte, ao mostrarmos a ele sua “gatinha”, recusava-se terminantemente a acreditar no fato. “Vocês estão querendo me deixar no terror...”. Só acreditou quando viu a criatura vir para cima dele, toda dançante, com os braços abertos, oferecendo mais uísque. Que ele, polidamente, recusou. E, olhando para nós com cara de desespero, ainda quis dar bronca:

- Porque é que vocês não me seguraram? Belos amigos vocês são...

Quem é doido de dar uma espetada dessas no dragão?

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