25 de abril de 2006

Última flor do lácio


Mencionei a “última flor do lácio” no post anterior e lembrei-me de história que já tinha intenção de postar aqui há tempos. Por "última flor do lácio" refiro-me, é lógico, a um dos mais conhecidos poemas da língua portuguesa, que fala exatamente sobre ela, a língua portuguesa, chamando-a de “Última flor do lácio, inculta e bela”. Ocorre que, em uma empresa onde já trabalhei, tínhamos uma colega que agredia, maltratava, pisava e humilhava a já tão combalida última flor do lácio. Por ser até bem bonitinha, ela acabou por ganhar de mim e do meu colega de mesa o mesmo apelido, flor do lácio, inculta e bela que era. Ela vinha com seus pedidos e respondíamos:
- Oh, minha flor do lácio, estamos trabalhando nisso.
Ela adorava, achava fofo. Curtia ser chamada de flor. Eu e meu colega nos divertíamos bastante com isso. Eis que, numa segunda-feira, chega a moça com cara de poucos amigos. Faz beicinho:
- Conversei com meu avô neste fim de semana e contei a ele que vocês me chamavam de flor do lácio. Ele ficou puto, disse que vocês estão dizendo que eu sou inculta...
- Absolutamente! – atalhei rapidamente – Se por um lado é verdade que a última flor do lácio é inculta, também é verdade que ela é bela. Lembre-se, “última flor do lácio, inculta e bela”. Estamos nos referindo à sua beleza!
Gostou. Desarmou o beicinho, ficou feliz, saiu da sala satisfeita. Meu colega olha para mim sorrindo:
- Acho que vamos ter que chamar a moça de outra de coisa. Flor do lácio não vai dar mais, não. Ela é inculta e bela. O poema não fala nada sobre burrice. A moça está sobrando na definição...
E rimos, sozinhos, assistindo à nossa flor do lácio passear pela empresa. Inculta, bela e burra. Ou, pelo menos, muito, mas muito crédula mesmo...

Em homenagem à língua portuguesa, segue o poema, na íntegra, para conhecimento e deleite de meus 13 leitores.

Última Flor do Lácio
Olavo Bilac

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

em que da voz materna ouvi: "meu filho!",
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!


Quem é doido de não conhecer e amar a última flor do lácio, nossa língua portuguesa, especialmente diante de tão maravilhoso poema?

Um comentário:

caracteresdifusos disse...

Fantástico o teu blog. Adorei. Confesso. Parabéns. Voltaei sempre que possível. Abraços. Samuel.