2 de agosto de 2007

Esquecida


Minha mãe esquece tudo. Ora, dirão alguns entre meus 13 leitores que conhecem a figura, isso é o óbvio. Sim, é o óbvio mas é preciso fazer o comentário porque podem não conhecê-la ou achar que ela melhorou com o tempo. Lá nos distantes anos em que as Brasílias amarelas ainda nem sonhavam em ser imortalizadas em canção, minha mãe tinha uma dessas. E nunca cedeu aos apelos de meu pai para que pusesse aquela travinha que não deixava abrir o quebra-vento (Ave Maria, quebra-vento, isso é velho pra dedéu, atualmente o engenheiro que propuser carro com quebra-vento volta para a escola...) por fora. O motivo, prosaico, é que ela sempre esquecia as chaves do carro na ignição e tinha que arrombar com uma faca ou chave de fenda. De fato, isso era tão comum que, na escola onde eu e minha irmã estudávamos, o pessoal da cozinha já conhecia minha mãe. Era só ela aparecer por lá que já gritavam:

- Ô, fulano, pega uma faca aí que a mãe do Marcelo esqueceu a chave dentro do carro de novo!

Numa dessas, ela estava apressadíssima, esqueceu a chave (claro), buscou a faca e, num serviço de mestre, arrombou a janela do carro e, sentando-se no banco do motorista, pôs-se a arrumar o espelho retrovisor até que nele apareceram duas crianças, com olhos arregaladíssimos, assustados. Minha mãe, que nunca dá o braço a torcer, vira-se com toda a delicadeza e fala aos dois:

- Queridos, será que vocês não erraram de carro?

- Não, tia, foi você que errou. Seu carro é aquele ali...

Ela havia arrombado outra Brasília. Branca! E com dois meninos sentados no banco de trás!

Quem é doido de arrombar um carro com gente dentro?

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