27 de julho de 2007

O incansável


A viagem para Mangue Seco foi turbulenta. A Linha Verde, orgulho do ecoturismo, ainda estava sendo concluída (descobrimos isso a duras penas, na volta, sendo obrigados a contornar longas distâncias por causa de pontes que ainda não haviam sido construídas. Somos pioneiros da Linha Verde, atravessamos ela toda antes de ser concluída!) e o caminho natural era através da BR. Estrada congestionada, a já citada chuva e a pressa de chegar logo a Esplanada e pegar o último barquinho para Mangue Seco tornaram a viagem tensa, cansativa. Perdemos, afinal, o último barquinho e, ao chegar a Esplanada, descobrimos que teríamos que pernoitar lá. Um certo anticlímax, já que a intenção era dormir já no destino final, Mangue Seco. Mas, se a vida nos dava limões, pensávamos em como fazer mais gostosa a nossa limonada e acertamos com uma Dona Maria o aluguel de uma casa para passar aquela noite. Mas se a noite na casa da Dona Maria chateava três de nós, ao inabalável Renatinho não dizia nada. Mesmo humor, mesma disposição, mesma “pilha” de sempre. Nem bem largamos no chão as sacolas, já estava o Renatinho a propor coisas e mais coisas para fazermos, sem deixar ninguém protestar que estava com sono, fome ou qualquer outra coisa. Quando já dormiam as meninas e eu quase fazia o mesmo na rede da varanda, eis que chega o incansável com um berimbau na mão e cara de mãe que manda os filhos estudarem no sábado:

- Marcelo, o batizado da capoeira é no próximo mês! Já aprendeu os toques? Já aprendeu as músicas? Já sabe o que vai cantar no dia?

E, sem esperar resposta, já foi empurrando o berimbau em minhas mãos e começando uma das ladainhas que cantávamos nas rodas de sexta. A esta seguiram-se outras, muitas outras e, quando percebemos, já eram quase duas horas da manhã. Lembrando que tal agitação noturna com palmas e toques de berimbau não devia ser normal em Esplanada, recolhemos o material e fomos dormir, para pegar o barquinho e atravessar para Mangue Seco de manhã.
No dia seguinte, tudo correu bem. O café foi agradável, a travessia, tranqüila; achamos logo uma pousada, nos instalamos e, às 10 horas da manhã, já estávamos na praia. Lá pela hora do almoço, sentávamos em uma barraquinha para cervejas e um dolce far niente quando vimos uma figura familiar se aproximando: era o Gil, um conhecido nosso, que por lá estava. Chamamos o Gil para a nossa mesa e ele, com seu bom-humor habitual se achega e começa a conversar.: “e aí?”, “tudo bem?”, “chegou faz tempo?” e essas perguntas que a gente faz quando encontra alguém por acaso. E o Gil:

- Putz, cheguei ontem, mas perdi o barquinho.

- Nós também!

- Aluguei uma casa para passar a noite. Com uma tal Dona Maria.

- Nós também!

- Mas duvido que a casa de vocês fosse que nem a nossa! Vocês não vão acreditar: lá pelas onze horas, uns filhas-da-puta na casa ao lado começaram a cantar umas músicas de capoeira, um negócio horrível, com um berimbau desafinado e batendo palmas! Um inferno, uma tortura! Só pararam lá pelas duas da manhã!

Coitado do Gil. Demorou um bom tempo (em que ele não entendeu nada, diga-se) até a gente conseguir parar de rir e explicar pra ele a identidade dos vizinhos cantores...

Quem é doido de alugar uma casa bem do lado do incansável Renatinho?

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