25 de março de 2013

Seb, the silly


Imaginemos a cena: um tenente, na linha de frente numa guerra, recebe uma ordem para retirar suas tropas do combate e consolidar sua posição. Só que, ao invés de cumprir a tal ordem, resolve, por conta própria, atacar a posição inimiga, o que faz com êxito. E que, informado do ocorrido, o comandante decida pelo seguinte:
            - Deem-lhe uma medalha pelo ataque bem sucedido e, logo em seguida, enviem-no à Corte Marcial por desobedecer uma ordem direta.
            Difícil imaginar? Pois deve ser mais ou menos esse o sentimento corrente na equipe Red Bull de F-1 nesta segunda-feira pós-GP da Malásia. Na pista, os dois pilotos da equipe, ocupando as duas primeiras posições na prova, receberam a mesma instrução para mudar o regime de rotações dos motores e poupar seus equipamentos. “Trazer as crianças para casa”, como gostava de dizer a Ferrari. Mas eis que o alemão Sebastian Vettel, tricampeão do mundo e um dos mais completos pilotos da atualidade, resolve desobedecer a ordem e ataca seu companheiro de equipe brigando pela primeira posição, que acaba por conquistar, já que seu rival havia obedecido à ordem recebida e tinha um motor que, naquela altura da prova, rendia menos. Num mundo politicamente correto (e político) como a F-1, o comentário da equipe pelo rádio soou quase como uma Corte Marcial: “This is silly, Seb”, isso é bobo, Seb. Não era o combinado. Não era o correto. Não era o justo. E não foram precisos mais do que alguns minutos para que o próprio Seb, constrangidíssimo na sala de imprensa na entrevista pós-prova, reconheceu o tamanho da besteira que havia feito, pediu desculpas, e tal. O que, obviamente, não retirou de seu companheiro de equipe Mark Webber a cara de pouquíssimos amigos que tinha na ocasião.
            Perguntará o leitor mais competitivo se eu tenho algo contra um piloto que busca a vitória sem se dar por vencido. Não, não tenho, aliás, acho que eles estão em lamentável falta no mercado atual. Perguntará o leitor amante da lei e da ordem se eu não acho que acordos e regras foram feitos para serem cumpridos. Sim, acredito que sim. E é por isso que o episódio como um todo me causou estranheza e chamuscou de certa forma duas imagens bastante positivas que eu tinha formado.  Primeiro, pela atitude da Red Bull de dizer que estava bom, que diminuíssem os giros do motor e terminassem a prova. Não esperava tal atitude de uma equipe que sempre pregou (e colocou em prática!) a política de que é na pista que se decidem as corridas, tendo sempre ido contra essa tenebrosa tendência de querer resolver as coisas com ordens via rádio (‘Fernando is faster than you”, lembram?). E, para não dizer que isso é exceção, basta lembrar que, apenas uma posição atrás desse imbróglio da Red Bull, Lewis Hamilton e Nico Rosberg receberam da Mercedes ordem para manter suas posições na pista, com clara vantagem para o inglês, isso só pra ficarmos num episódio recente e não termos que lembrar daquele “hoje não, hoje não... hoje sim, hoje sim” da vitória que Barrichello foi obrigado a ceder para Schumacher na Áustria, em 2002 (ordem, aliás, dada pelo mesmo Ross Brawn, na época na Ferrari, que ontem mandou Lewis e Nico ficarem quietinhos). Foi bastante decepcionante perceber que a Red Bull, ao invés de se manter firme na sua política de deixar as coisas se resolverem na pista, começa a ser contaminada por esse pensamento mesquinho e babaca que nega toda a competitividade que a F-1 deveria ter. A segunda imagem que se chamuscou foi a do próprio Vettel, que foi, para dizer o mínimo, de uma trairagem sem tamanho. Esperou que o outro diminuísse o ritmo do motor e caiu matando em cima dele, sem se preocupar com mais nada que não fosse a primeira posição. Repito: nada contra o piloto que busca a primeira posição de forma sistemática e me lembro sempre de Ayrton Senna, que era desses. Lembro do tanto de vezes que ele, tentando ganhar a corrida na primeira volta, acabava por sair da prova ou quebrar o carro. E aí, não posso deixar de me lembrar também de Ímola, em 1988, quando ele e o Prost tinham dois carros que eram de outro mundo (ganharam 15 das 16 corridas daquele ano e só não ganharam todas justamente porque o Senna se afobou na hora de ultrapassar o retardatário Schlesser e entregou a corrida de bandeja para uma dobradinha da Ferrari, um mês depois da morte de Enzo Ferrari, que certamente deve ter tido alguma coisa a ver com isso manobrando lá de cima...) e um acordo de cavalheiros que os impedia de disputar posição nas primeiras voltas. Mas já ia longe o tempo dos cavalheiros na F-1 e Senna, fiel a seu estilo, passou o francês logo na primeira volta e ganhou a prova, dando início à sua histórica rivalidade com Prost, que reclamou um monte da manobra.
            Pois foi mais ou menos isso que aconteceu ontem. Vettel não precisava disso para se afirmar e nem para reafirmar sua posição dentro da equipe. Ele tem três títulos mundiais na sequência e só um louco consideraria Webber mais importante para o time do que ele. Mas ordem é ordem e, ao piloto, de dentro do carro, não cabe questionar, cabe seguir a orientação. Agindo como agiu, Vettel correu o risco de fazer estourar seu motor, de causar um problema mecânico, de pôr por terra um resultado que estava muito bom para a equipe. E a Red Bull que se explicasse depois da prova e encarasse a decepção dos fãs que, como eu, achavam que por lá esse tipo de coisa não acontecia. No final, nada aconteceu com o carro. Mas a relação com seu companheiro de equipe, essa certamente se quebrou de forma que nem todos os mecânicos do time trabalhando juntos seriam capazes de consertar. Assim como Senna e Prost depois daquele domingo em Ímola, em 1988, Vettel e Webber provavelmente se tornarão dois estranhos na mesma casa. Tenho aqui pra mim que Vettel, na primeira ocasião que puder, deixará que o australiano o ultrapasse no final de uma corrida e tentará, com isso, recuperar um pouco de sua imagem com o ato. Puro achismo, mas seria o mínimo a fazer. Mesmo assim, a confiança entre ambos provavelmente nunca será restabelecida. O correto a fazer, se era a intenção dele atacar o companheiro, seria dizer pelo rádio que não ia diminuir nada e que iria pra cima, dando a Webber, no mínimo, a possibilidade de responder ao ataque nas mesmas condições. Mas Vettel preferiu outro caminho.

         Silly, Seb. Que bobo que você foi.

         Quem é doido de não achar que esse negócio de equipe decidir quem chega na frente é péssimo para a F-1?

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