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- Deem-lhe
uma medalha pelo ataque bem sucedido e, logo em seguida, enviem-no à Corte
Marcial por desobedecer uma ordem direta.
Difícil
imaginar? Pois deve ser mais ou menos esse o sentimento corrente na equipe Red
Bull de F-1 nesta segunda-feira pós-GP da Malásia. Na pista, os dois pilotos da
equipe, ocupando as duas primeiras posições na prova, receberam a mesma
instrução para mudar o regime de rotações dos motores e poupar seus equipamentos.
“Trazer as crianças para casa”, como gostava de dizer a Ferrari. Mas eis que o
alemão Sebastian Vettel, tricampeão do mundo e um dos mais completos pilotos da
atualidade, resolve desobedecer a ordem e ataca seu companheiro de equipe brigando
pela primeira posição, que acaba por conquistar, já que seu rival havia
obedecido à ordem recebida e tinha um motor que, naquela altura da prova,
rendia menos. Num mundo politicamente correto (e político) como a F-1, o
comentário da equipe pelo rádio soou quase como uma Corte Marcial: “This is
silly, Seb”, isso é bobo, Seb. Não era o combinado. Não era o correto. Não era
o justo. E não foram precisos mais do que alguns minutos para que o próprio
Seb, constrangidíssimo na sala de imprensa na entrevista pós-prova, reconheceu
o tamanho da besteira que havia feito, pediu desculpas, e tal. O que,
obviamente, não retirou de seu companheiro de equipe Mark Webber a cara de
pouquíssimos amigos que tinha na ocasião.
Perguntará
o leitor mais competitivo se eu tenho algo contra um piloto que busca a vitória
sem se dar por vencido. Não, não tenho, aliás, acho que eles estão em
lamentável falta no mercado atual. Perguntará o leitor amante da lei e da ordem
se eu não acho que acordos e regras foram feitos para serem cumpridos. Sim,
acredito que sim. E é por isso que o episódio como um todo me causou estranheza
e chamuscou de certa forma duas imagens bastante positivas que eu tinha
formado. Primeiro, pela atitude da Red
Bull de dizer que estava bom, que diminuíssem os giros do motor e terminassem a
prova. Não esperava tal atitude de uma equipe que sempre pregou (e colocou em
prática!) a política de que é na pista que se decidem as corridas, tendo sempre
ido contra essa tenebrosa tendência de querer resolver as coisas com ordens via
rádio (‘Fernando is faster than you”, lembram?). E, para não dizer que isso é
exceção, basta lembrar que, apenas uma posição atrás desse imbróglio da Red
Bull, Lewis Hamilton e Nico Rosberg receberam da Mercedes ordem para manter
suas posições na pista, com clara vantagem para o inglês, isso só pra ficarmos
num episódio recente e não termos que lembrar daquele “hoje não, hoje não...
hoje sim, hoje sim” da vitória que Barrichello foi obrigado a ceder para
Schumacher na Áustria, em 2002 (ordem, aliás, dada pelo mesmo Ross Brawn, na
época na Ferrari, que ontem mandou Lewis e Nico ficarem quietinhos). Foi
bastante decepcionante perceber que a Red Bull, ao invés de se manter firme na
sua política de deixar as coisas se resolverem na pista, começa a ser contaminada
por esse pensamento mesquinho e babaca que nega toda a competitividade que a
F-1 deveria ter. A segunda imagem que se chamuscou foi a do próprio Vettel, que
foi, para dizer o mínimo, de uma trairagem sem tamanho. Esperou que o outro
diminuísse o ritmo do motor e caiu matando em cima dele, sem se preocupar com
mais nada que não fosse a primeira posição. Repito: nada contra o piloto que
busca a primeira posição de forma sistemática e me lembro sempre de Ayrton
Senna, que era desses. Lembro do tanto de vezes que ele, tentando ganhar a
corrida na primeira volta, acabava por sair da prova ou quebrar o carro. E aí,
não posso deixar de me lembrar também de Ímola, em 1988, quando ele e o Prost
tinham dois carros que eram de outro mundo (ganharam 15 das 16 corridas daquele
ano e só não ganharam todas justamente porque o Senna se afobou na hora de
ultrapassar o retardatário Schlesser e entregou a corrida de bandeja para uma
dobradinha da Ferrari, um mês depois da morte de Enzo Ferrari, que certamente
deve ter tido alguma coisa a ver com isso manobrando lá de cima...) e um acordo
de cavalheiros que os impedia de disputar posição nas primeiras voltas. Mas já
ia longe o tempo dos cavalheiros na F-1 e Senna, fiel a seu estilo, passou o
francês logo na primeira volta e ganhou a prova, dando início à sua histórica
rivalidade com Prost, que reclamou um monte da manobra.
Pois foi
mais ou menos isso que aconteceu ontem. Vettel não precisava disso para se
afirmar e nem para reafirmar sua posição dentro da equipe. Ele tem três títulos
mundiais na sequência e só um louco consideraria Webber mais importante para o
time do que ele. Mas ordem é ordem e, ao piloto, de dentro do carro, não cabe
questionar, cabe seguir a orientação. Agindo como agiu, Vettel correu o risco
de fazer estourar seu motor, de causar um problema mecânico, de pôr por terra
um resultado que estava muito bom para a equipe. E a Red Bull que se explicasse
depois da prova e encarasse a decepção dos fãs que, como eu, achavam que por lá
esse tipo de coisa não acontecia. No final, nada aconteceu com o carro. Mas a
relação com seu companheiro de equipe, essa certamente se quebrou de forma que
nem todos os mecânicos do time trabalhando juntos seriam capazes de consertar.
Assim como Senna e Prost depois daquele domingo em Ímola, em 1988, Vettel e
Webber provavelmente se tornarão dois estranhos na mesma casa. Tenho aqui pra
mim que Vettel, na primeira ocasião que puder, deixará que o australiano o
ultrapasse no final de uma corrida e tentará, com isso, recuperar um pouco de
sua imagem com o ato. Puro achismo, mas seria o mínimo a fazer. Mesmo assim, a
confiança entre ambos provavelmente nunca será restabelecida. O correto a
fazer, se era a intenção dele atacar o companheiro, seria dizer pelo rádio que
não ia diminuir nada e que iria pra cima, dando a Webber, no mínimo, a
possibilidade de responder ao ataque nas mesmas condições. Mas Vettel preferiu
outro caminho.
Silly, Seb. Que bobo que você foi.
Quem é doido de não achar que esse negócio de equipe decidir quem chega na frente é péssimo para a F-1?