19 de junho de 2012

Zoológico humano

Do nada, as vozes começaram a se projetar pelo corredor e tornaram pública uma conversa que o bom-senso mandaria que fosse travada no interior do apartamento:
- Eu só vou sair daqui quando você abrir a porta! Não, meu amor, eu não vou embora, só quando você abrir a porta! Meu querido, eu sei que você está com mais alguém aí dentro. Eu só quero que você abra essa porta e tenha a coragem de assumir as suas merdas! Ah, não vai abrir? Pois eu tenho todo o tempo do mundo para ficar aqui. Uma hora vocês vão ter que sair daí. E eu estarei aqui.
Um clique. A porta se abriu. Uma voz pedia calma.
- Calma? Mas quem está nervoso aqui? Só se for você. Cadê a pessoa que estava aí com você? Mas como não tem ninguém? Então, porque você está bloqueando a porta? Deixa eu entrar!
Novo pedido de calma. Uma terceira voz se faz ouvir. Assustada. Tensa.
- Ah, então é ela que não estava aí com você, é? Mas que coisa. Pagou quanto por essa tipa? Ah, como é que você não é puta, meu amor? Me desculpe, mas com essa cara e essa roupa, se não é merece ser confundida com uma. Cobrou quanto dele? Anda, fala, cobrou quanto? Ah, trezentos reais? Era só isso que eu queria saber, quanto vale a dignidade de uma pessoa. A dele valeu trezentos reais. Pra mim,. esse foi o preço que custou para saber que você é um canalha! Bastou eu viajar uns dias e você já me trai, se mete com puta. E não satisfeito em se meter com elas, ainda trouxe uma para dentro da nossa casa. Sim, porque essa também era minha casa, não é? Ou já esqueceu que eu moro, ou melhor, morava aqui também? E não pedi para isso, não, foi você que foi lá me buscar em casa e me pedir para por favor vir viver com você! Agora me apronta uma dessas? Canalha, desclassificado!
Choro. Soluços.
- Ah, minha filha, choro de puta era o que me faltava, mesmo. Pegou sua grana? Então ainda está fazendo o quê aqui? Tchau, vaza. Vai rodar sua bolsinha em outro lugar.
A outra voz ensaia uma tímida despedida, uma promessa de ligação posterior para esclarecer tudo e a recomendação de que não leve a mal. Chamou a fulana pelo nome.
- Ah, ela tem nome. E merece uma ligação para esclarecer tudo. Eu mereço, mesmo. Vou me meter com canalha, dá nisso! Vai me deixar entrar ou não?
Passos porta adentro. Porta se fecha. As vozes se tornam inaudíveis e o silêncio volta. Deve ter rolado um DR de proporções cataclísmicas, mas essa, como deve ser, foi travada dentro do apartamento.

Agora, releia toda essa história sabendo que a voz que tanto reclamava não era uma esposa que pegou o marido com uma puta, mas de um gay que pegou o companheiro (meu vizinho!) com uma mulher e, ainda por cima, puta.

Definitivamente, tenho que começar a procurar outro apartamento. Não bastasse o vizinho pianista (que, pelo menos, toca maravilhosamente bem), o vizinho chicleteiro (que, como convém a essa espécie, tem um gosto musical para lá do Deus-me-livre e um aparelho de som de altíssima potência) e o vizinho boca-suja (sempre gritando impropérios em altos brados, na quadra que fica em frente à minha janela), agora tenho um vizinho putanheiro e tenho (ou tinha., sei lá no que deu a DR) um vizinho barraqueiro...

Quem é doido de não achar que esse zoológico humano que é meu prédio tem uma fauna singular?

Nenhum comentário: